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Especialistas alertam para riscos da troca de remédios biológicos por biossimilares

A discussão sobre a regulamentação de medicamentos biossimilares no Brasil já está superada. Agora, os principais temas que precisam ser debatidos são os problemas da substituição automática de fármacos biológicos pelos biossimilares correspondentes, a farmacovigilância (avaliação do uso e dos efeitos) e também formas de levar esses medicamentos para toda a população. Foi a essa conclusão que chegaram especialistas que discutiram o tema nesta quinta-feira (22), em debate sobre acesso e regulação dos novos fármacos, que abriu o Fórum Medicamentos Biológicos e Biossimilares, realizado pela Folha de S.Paulo com patrocínio da Pfizer e da Roche.
O evento aconteceu no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. A mediação ficou a cargo da repórter especial e colunista da Folha de S.Paulo, Cláudia Collucci. O medicamento biossimilar é uma cópia do biológico, que é obtido a partir de células vivas modificadas geneticamente. Biofármacos têm estruturas mais complexas do que remédios químicos e são voltados para o tratamento de doenças importantes como câncer, Alzheimer, diabetes, artrite reumatoide, entre outras. Ao contrário do genérico, porém, o biossimilar não é idêntico ao fármaco de referência, devido à complexidade e variabilidade biológicas e ao fato de o processo de fabricação do biofármaco diferir dependendo do fabricante. O princípio ativo -substância responsável por exercer o efeito farmacológico no organismo-, no entanto, é o mesmo entre ambos. Como o princípio ativo já foi testado no desenvolvimento do fármaco de referência, a efetividade e segurança dos biossimilares estariam supostamente asseguradas. Alguns estudiosos, porém, não estão convencidos de que os testes realizados, que buscam assegurar a proximidade entre os medicamentos originais e suas cópias, são suficientes para mostrar que os biossimilares trazem os mesmos benefícios dos fármacos biológicos. “A discussão está um passo à frente”, afirmou o presidente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), Antônio Britto. “Havendo medicamento biológico reconhecido e um biossimilar correspondente que também passou por regulação, um pode ser trocado pelo outro” A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] decidiu que nenhuma relação é sempre intercambiável ou proibida de ser intercambiável. Caberá ao médico definir as circunstâncias em benefício do paciente.” De acordo com Britto, o problema é que, no SUS, o governo acaba priorizando medicamentos mais baratos e pode fazer simplificações perigosas, causando riscos aos pacientes ao igualar biossimilares, que teriam preços mais baixos, aos fármacos de referência. Ele defendeu uma maior conscientização e participação dos médicos na tomada de decisões. “Os governos vivem, diante da falta de dinheiro, convidados à ideia de que o barato, ainda que não totalmente adequado, é melhor do que nada. Mas os medicamentos biológicos colocam uma dificuldade nessa equação”, segundo Britto. Para o diretor de acesso ao mercado e relações governamentais da Roche, Eduardo Calderari, os biossimilares devem ajudar a dar suporte ao sistema de saúde brasileiro, mas não substituirão os biofármacos. Ele também colocou em dúvida o preço mais barato para biossimilares no país, citando os altos custos de desenvolvimento dos novos medicamentos. “Hoje temos produtos biológicos no Brasil com preços abaixo de biossimilares na Europa. Tenho dificuldade em assegurar que vai haver uma redução ainda maior”, afirmou. Calderari lembra também que a disseminação dos biossimilares não deverá garantir o acesso a toda a população. Segundo ele, para isso é importante lançar fármacos com benefícios claros, aliados a projetos de expansão do acesso que levem em consideração a realidade das diferentes regiões do Brasil. EDUCATIVO Sílvia Storpirtis, professora associada da faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, defendeu iniciativas educativas por parte do governo para informar profissionais da saúde a respeito dos novos fármacos que estão chegando ao mercado. Ela destacou a farmacovigilância -avaliação e monitoramento do uso e efeitos de medicamentos a partir do momento em que já entraram no mercado- como principal forma de acompanhar os resultados da inserção dos biossimilares. Segundo Storpirtis, é importante que profissionais de saúde gerem dados clínicos confiáveis e que as negociações entre governo e indústria sempre levem em conta estudos de efetividade. “Através de parâmetros bem estabelecidos, com medicamentos utilizados por pacientes, é preciso avaliar se a tecnologia está cumprindo seu papel e entregando o prometido no momento da incorporação ao mercado”, disse. REGISTROS Já o gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Varley Dias Sousa, afirmou que a farmacovigilância ainda é pouco desenvolvida no Brasil em comparação com outros países. Segundo ele, a agência hoje está reduzindo prazos para a aprovação de novos medicamentos e precisa aumentar o rigor na avaliação de biossimilares que estiverem disponíveis para a população. “Hoje temos sete biossimilares registrados e 14 ainda em avaliação. Esperamos que todos os processos sejam avaliados nos próximos dois ou três meses. Em breve, os medicamentos estarão triplicados em termos numéricos e de volume no mercado.” A Anvisa, no entanto, não inclui no campo regulatório a questão da intercambialidade entre biológicos e biossimilares. Segundo Sousa, com a justificativa de não incorrer em aspectos políticos da discussão nem precisar expandir seus prazos de regulamentação. Para ele, é necessário que pacientes e médicos tomem parte ativa no processo, avaliando as resoluções da agência e levando em conta as particularidades de cada doença.